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Cem anos da Entomologia Forense no Brasil (1908-2008).

  • Foto do escritor: giulia lucheta
    giulia lucheta
  • 16 de mai. de 2021
  • 8 min de leitura

Atualizado: 4 de jun. de 2021


A Entomologia Forense, aplicação dos estudos de insetos e outros artrópodes em questões e processos criminais, funciona como uma ferramenta auxiliar em investigações de crimes contra pessoas vítimas de morte violenta, por exemplo. O profissional desta área precisar possuir um bom conhecimento de taxonomia, biologia e ecologia de insetos. Esse perfil é relativamente raro, mas felizmente o Brasil possui um bom número de especialistas aptos para conduzir pesquisas e treinar profissionais nessas áreas do conhecimento, não só no estudo das moscas e besouros, mas também em outros grupos de animais necrófagos ou associados ao processo de decomposição cadavérica. Esses estudos iniciaram-se no Brasil no ano de 1908, com os trabalhos de Edgard Roquette Pinto e Oscar Freire, respectivamente nos estados do Rio de Janeiro e da Bahia. Esses autores registraram a diversidade da fauna de insetos necrófagos em regiões da Mata Atlântica, ainda muito preservada, baseando-se em estudos de casos em humanos e animais realizados na primeira década do século XX. Tais trabalhos foram feitos pouco tempo após a publicação do livro Mégnin de 1894, o primeiro a abordar este tema de forma sistemática, chamando a atenção devido a postura crítica e pelo esforço em desenvolver métodos adequados às condições locais do Brasil. O desenvolvimento da Entomologia Forense no Brasil tem sido mais fácil devido os estudos de insetos das ordens Diptera e Coleoptera. Outros grupos de insetos também são relevantes para a Entomologia Forense, mas as moscas e os besouros são os mais importantes, especialmente em casos envolvendo morte. Em consequência de sua importância na medicina, na saúde pública, na veterinária e na agricultura, moscas e besouros foram amplamente estudados por profissionais de diversas áreas do conhecimento. Ademais, as coleções taxonômicas brasileiras possuem uma razoável representação da diversidade de insetos da nossa região. Existem ainda lacunas importantes, principalmente a escassez de informações sobre a biologia, ecologia e distribuição geográfica das espécies necrófagas. Estudos sobre a biologia, ciclo de vida e ecologia de insetos necrófagos são ainda incipientes, devido à sua complexidade, alto custo e demora na obtenção de resultados. O conhecimento taxonômico dos dípteros e coleópteros necrófagos é essencial para a Entomologia Forense, mas não suficiente.

A estimativa do intervalo de morte, por exemplo, depende também de informações ecológicas e biológicas, especialmente sobre o desenvolvimento pós-embrionário de espécies das famílias Calliphoridae, Muscidae, Sarcophagidae e Stratiomyidae entre as moscas e Dermestidae, Cleridae, Histeridae e Scarabaeidae, entre os besouros.



A história do desenvolvimento da Etimologia Forense, iniciou-se nas civilizações antigas da Babilônia e do Egito, onde as moscas aparecem como amuletos, como deuses e como uma das pragas bíblicas mais conhecidas. A metamorfose das moscas já era conhecida no antigo Egito.

Um papiro encontrado no interior da boca de uma múmia continha a seguinte inscrição: "As larvas não se transformarão em moscas dentro de ti". A maioria dos insetos encontrados em corpos embalsamados são os mesmos que agora auxiliam na solução de casos de morte. O primeiro caso documentado de Entomologia Forense está relatado em um manual de Medicina Legal Chinês do Século XIII. Foi um caso de homicídio em que um lavrador apareceu degolado por uma foice. Para resolver o caso, todos os lavradores da região foram obrigados a depositar suas foices no solo, ao ar livre. As moscas pousaram em apenas uma delas, atraídas pelos restos de sangue que ainda estavam aderidos à lâmina. A conclusão foi de que aquela era a foice do assassino (Benecke 2001). Apesar dos estudos de Mégnin (1894), a Entomologia Forense foi negligenciada por muito tempo, pela falta de entomologistas e maiormente por conta do distanciamento entre entomologistas e profissionais da criminalística (médicos-legistas e peritos criminais). O interesse só foi retomado na segunda metade do Século XX, quando Leclercq (1969) publicou "Entomology and Legal Medicine" e posteriormente Smith (1986) publicou o livro "A Manual of Forensic Entomology". No final do século XX sua aplicação tornou-se rotina, especialmente na América do Norte e na Europa, onde muitos grupos de pesquisa têm se dedicado ao estudo desse tema.

No Brasil, o primeiro marco foi associado ao trabalho de Oscar Freire em 1908. Onde apresentou a primeira coleção de insetos necrófagos e os resultados de sua pesquisa. Antes dele, Domingos Freire (Factos da vida dos insetos. II. Fauna dos cadáveres, 1908) publicara um artigo sobre o tema, criticado por Freire como um reflexo impessoal do trabalho de Mégnin. No mesmo ano, Roquette-Pinto (Fig. 2) publicou um estudo de caso "Nota sobre a fauna cadavérica no Rio de Janeiro" também com base em um cadáver humano.

O conhecimento acumulado por Oscar Freire e sua experiência ao longo dos anos serviram de modelo para os estudos atuais sobre a Entomologia Forense no Brasil, principalmente a preocupação em trazer soluções às questões médico-legais, criticou o trabalho de Mégnin (1894), que considerou "excessivamente teórico e esquemático"; concordou que existe certo padrão de sucessão, no modo pelo qual os insetos visitam o cadáver, mas chamou atenção para o fato de que essa "ordem" é apenas frequente e "não constante, nem imutável"; também chamou atenção para as muitas exceções e acrescentou que 5 coisas: não há exclusivismo de espécies de insetos para cada fase da putrefação; é fator de importância a concorrência vital entre os necrófagos; influi na sua presença ou na sua ausência a riqueza em espécies e gêneros da região, a distribuição "topográfica" (geográfica); não há isocronismo dos períodos da decomposição cadavérica, e uma cronologia precisa é impossível.

O rigor científico das observações e críticas de Oscar Freire vem ao encontro da visão atual de que as técnicas desenvolvidas em outros países não podem ser diretamente aplicadas no Brasil, pelas diferenças na entomofauna e no clima. Além disso, cada bioma tem sua fauna e condições locais próprias, o que exige o estudo das entomofaunas regionais, principalmente dípteros e besouros e seus padrões de sucessão em cadáveres, antes da aplicação das técnicas de entomologia forense.

Os estudos sobre taxonomia, biologia e ecologia de dípteros necrófagos e biontófagos no Brasil, estudos básicos para a Entomologia Forense, têm sido realizados por vários pesquisadores brasileiros, sendo notáveis os trabalhos de Hugo de Souza Lopes (Sarcophagidae), Rubens Pinto de Mello (Calliphoridae), José Henrique Guimarães e Nelson Papavero (Calliphoridae). Os primeiros trabalhos sistemáticos sobre entomologia forense abordando estudos sobre a diversidade, ecologia, taxonomia e sucessão da fauna cadavérica foram desenvolvidos por Arício Xavier Linhares, Claudio José Barros de Carvalho e respectivas equipes.

No entanto, a consolidação da Entomologia Forense no Brasil ainda depende de um ponto importante: a interação dos trabalhos acadêmicos com a realidade da demanda da polícia judiciária. Duas obras foram muito importantes para essa consolidação, o livro de Janyra Oliveira-Costa de 2003 e Miranda et al. de 2006.

A Entomologia Forense dedica-se à aplicação do estudo dos insetos na solução de casos criminais e disputas jurídicas. Insetos podem ser usados como evidência na solução de crimes e, em alguns casos, podem estar no centro de disputas judiciais ao causar danos a produtos armazenados ou estruturas. Esta área foi dividida em três subáreas: urbana (relacionada às ações em que envolve presença de insetos em bens culturais, imóveis ou estruturas), produtos armazenados (diz respeito à contaminação, em pequena ou grande extensão, de produtos comerciais estocados) e médico-legal (refere-se a casos de morte violenta).

O conhecimento acerca da ecologia, biologia e distribuição dos insetos já contribuiu para a solução de crimes informando quando, onde, por quem e como o crime foi cometido. Além de outras contribuições recorrentes, a estimativa do intervalo post-mortem. Insetos já foram utilizados como indícios de casos de movimentação de cadáveres, na reconstituição da movimentação de veículos, na localização de região produtora de drogas com consequente identificação da rede de distribuição, na confirmação de hipótese de abandono de menores e maus tratos a idosos, na identificação de autoria do crime por meio do DNA obtido do sangue ingerido por insetos hematófagos ou de suas fezes e na detecção de drogas, venenos, medicamentos e metais pesados em imaturos, adultos, pupários, exúvias e fezes de insetos. O comportamento dos insetos sobre o cadáver pode causar o desmembramento dos restos mortais, ou o enterramento (ocultação) ou a exposição de partes do corpo, estas atividades são importantes fatores a serem considerados na observação inicial da cena do crime. Morton & Lord (2006) afirmaram que mesmo os vertebrados que normalmente podem ser responsáveis por eventual destruição de tecidos moles, desmembramentos e dispersão dos ossos, aguardam o término da atividade de insetos, especialmente a ação das larvas de moscas, para se alimentarem da carcaça.

Um dos entraves para a expansão da utilização de evidências entomológicas é o distanciamento entre a academia e os profissionais das polícias judiciárias responsáveis pela produção de provas materiais a partir do exame de cenas de crime e de cadáveres, os peritos criminais e os médicos legistas. Conhecimentos produzidos por equipes compostas por entomologistas, peritos criminais e médicos legistas são escassos atualmente e certamente contribuirão enormemente para o desenvolvimento da entomologia forense no Brasil, pois irão associar o melhor de dois mundos: a experiência científica dos professores com a casuística dos peritos criminais e médico-legistas. Juntamente com ações de estímulo à pesquisa em entomologia forense e sua utilização rotineira pela polícia judiciária é necessário promover reuniões (ou a criação de um fórum temático) entre a comunidade acadêmica e a polícia técnico-científica, para estabelecer as questões prioritárias a serem abordadas. Um dos maiores desafios para o desenvolvimento futuro desta área do conhecimento é a associação entre os dados experimentais e a casuística forense. Como aconteceu com outras áreas das Ciências Forenses, a entomologia forense necessita estabelecer protocolos que garantam uma padronização mínima dos procedimentos adotados durante a coleta das evidências entomológicas e dos dados meteorológicos; a preservação, o transporte e a criação dos insetos imaturos; e a validação dos dados obtidos a partir de diferentes experimentos sobre a biologia dos insetos.

Em 2008 o governo brasileiro reconheceu a necessidade de investir neste setor do conhecimento e criou a "Rede Nacional de Entomologia Forense (ReNEF)" e é composto por 5 pesquisadores e 5 peritos criminais dos estados do Amapá, Amazonas, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Distrito Federal. A Rede Nacional de Entomologia Forense tem como metas primárias, (1) estimular e desenvolver as pesquisas sobre Entomologia Forense no Brasil; (2) fortalecer a cooperação/integração entre as Universidades/Institutos de Pesquisa e a Polícia Judiciária e (3) fornecer as bases para a padronização de métodos e técnicas, criando instrumentos de jurisprudência quando os insetos forem objeto da investigação ou provas materiais.

As aplicações da entomologia forense na solução de casos criminais dependem de estudos básicos sobre taxonomia, biologia, ciclo de vida e ecologia dos insetos de potencial interesse forense e isso inclui não somente insetos necrófagos, mas também os insetos envolvidos em questões urbanas e ataques aos produtos armazenados. As linhas prioritárias de pesquisa, desenvolvimento e ações nesse sentido são: (1) Identificação de insetos de interesse forense: taxonomia dos grupos de interesse forense; produção de guias e chaves de identificação dos insetos de interesse forense para uso rotineiro de peritos, produzidos por especialistas, tendo como público-alvo os peritos e testados para esse fim: preparação de coleções de referência, com auxílio de taxonomistas, para uso em rotinas de identificação, disponíveis em todas as instituições. (2) Estudos sobre biologia e ciclo de vida de insetos de interesse forense, principalmente dípteros e coleópteros das famílias Calliphoridae, Muscidae, Fanniidae, Sarcophagidae, Stratiomyidae, Dermestidae, Cleridae, Histeridae, Silphidae e Scarabaeidae: ciclo de vida e tempo de desenvolvimento; estudos sobre o efeito da temperatura sobre o desenvolvimento; outros fatores que afetam estimativas de tempo de desenvolvimento; (3) Estudos sobre ecologia e padrões de sucessão na fauna cadavérica. Os dados disponíveis sobre esse assunto são extremamente precários, por serem difíceis e demorados, esses estudos devem ser realizados em todas as regiões e devem ser feitos com um bom número de repetições (modelos) em diferentes estações do ano e repetidos por vários anos para definir um padrão de sucessão. (4) Bancos de dados. (5) Fontes de financiamento. (6) Formação de recursos humanos. Esses cursos serviriam a dois propósitos: (a) a tomada de consciência sobre os vestígios entomológicos pelos profissionais da polícia técnico-científica e (b) sua aproximação com os da academia. E (7) Publicação de uma revista especializada nas áreas de Ciências Forenses.



 
 
 

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© 2021 por Giulia Lucheta e Keisy Gabrielly 

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